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Tarifas comerciais: a nova grande opinião do momento.

25 de abril de 2025
containers e a bandeira dos eua ao fundo

Se você olhar na Wikipedia no momento em que escrevo este texto, pode achar a descrição do efeito Dunning-Kruger com o seguinte texto: “O efeito Dunning-Kruger é o viés cognitivo pelo qual pessoas com baixa habilidade em uma tarefa superestimam sua habilidade.” Ou seja, é o efeito psicológico que faz com que uma pessoa que não entende de um assunto se ache capacitada para falar dele.
Um ilustre conhecido meu sempre me disse: “cara, todo dia sai uma notícia no jornal para as pessoas se encherem de opinião, todo dia é um novo Dunning-Kruger global.”

As tarifas comerciais que estão sendo propostas e impostas pelo presidente americano Donald Trump são justamente essa ocorrência no momento atual. Mesmo nos renomados sites de notícias, vemos uma sensação de partidarismo em que se trata o assunto como uma estupidez completa ou jogada de mestre. Insatisfeito com essa proposta da mídia tradicional, proponho ao leitor uma visão em que se analisem os potenciais dessa ferramenta de política econômica e suas fraquezas.

Impostos sobre importação existem no mundo todo, inclusive no Brasil, e são sempre alvo de críticas ou de elogios quando convém. O próprio governo brasileiro colocou impostos adicionais nas compras no exterior recentemente, com o propósito de arrecadar com essas compras que não valorizam a produção nacional. Nisso reside a pergunta: para que servem as tarifas?

Arrecadar impostos é o primeiro motivo e, do ponto de vista dos Estados Unidos, esse é um dos mais importantes. Os EUA contam com uma dívida trilionária e o país tem arrecadado menos do que gasta literalmente todos os anos. O governo anterior do ex-presidente Joe Biden pode até ter acelerado esse processo bastante com o aumento dos gastos com variados programas sociais e a própria situação da pandemia, mas a situação já existe há anos e não é responsabilidade de um único governo. Na aplicação de tarifas e impostos, existe um risco que é o seguinte: um governante pode tarifar tanto um produto que ele fica caro demais para ser consumido e a arrecadação cai em vez de subir! Para quem tem familiaridade, a representação desse comportamento entre impostos e arrecadação do governo é a curva de Laffer, a teoria concebida por Arthur Laffer em 1974. A curva de Laffer sugere que, quando se aumentam os impostos, vai se aumentando a arrecadação até um ponto em que aumentar os impostos começa a diminuir a arrecadação. Isso acontece porque não vale a pena consumir ou produzir se os ganhos vão ser tributados.

Nesse ponto, também se encontra o segundo motivo para tarifas e um elemento do porquê não é tão fácil dizer qual vai ser o efeito dessas tarifas. As tarifas têm o risco de aumentar a inflação do país por causarem aumento de preços… mas, dependendo do tamanho dessa tarifa, as tarifas podem desestimular a economia de tal maneira que as pessoas simplesmente consomem menos e o governo arrecada menos! Neste caso, as tarifas podem não interferir ou até reduzir a inflação do país.

Aí entra a questão das diferentes tarifas para diferentes países, inclusive para países em que apenas habitam pinguins. Não deveriam as tarifas ser homogêneas e iguais para todos? Existe argumentação de que seria justo, obviamente, a igualdade nas tarifas, mas, do ponto de vista de arrecadação de recursos para o governo e preservação do bem-estar da população, pode ser uma injustiça estratégica.

O principal motivo para alguns países terem alíquotas menores é a importância radical das exportações daquele país para a economia americana em relação a outros países que também estão sendo tarifados. Exemplo simples: hoje os Estados Unidos consomem, já há alguns anos, praticamente toda a sua soja produzida internamente. Na verdade, consomem muito mais do que produzem. Aqui existe o problema de se tarifar um país como Brasil e Argentina, principais exportadores de soja no mundo, que é encarecer a alimentação de toda a sua população. Aqueles países que produzem o alimento para o mundo ou matérias-primas básicas usadas todos os dias no dia a dia são alvos muito arriscados para se impor tarifas comerciais. Apesar da acusação de que as alíquotas foram aleatórias na sua criação por parte dos economistas do governo americano, faz bastante sentido que países como Brasil e Argentina tenham alíquotas menores que outros países.

O contraste a essa ideia podemos ver na proposta de tarifas sobre os produtos franceses, que foi muito mais agressiva, e não representa perigo na balança comercial dos EUA x França. A França fornece pouca coisa essencial para o cidadão americano, sendo muito das trocas baseadas na venda de luxos como champanhes, queijos finos, bolsas Louis Vuitton e perfumes caros. Assim sendo, o cidadão americano que quiser estes produtos certamente pode pagar mais caro por seus luxos. Reforço aqui que estou fazendo uma simplificação e certamente existe um ou outro produto mais essencial para a economia americana que será, infelizmente, tarifado, mas nada impede um acordo específico ou ajustes pontuais nas políticas de importação entre os dois países. Muitos países da Europa fornecem componentes ou tecnologia específica militar entre si e os Estados Unidos. Não seria estranho se um acordo especial para a manutenção das condições atuais para estes produtos fosse realizado fora dos holofotes.

Ainda falando sobre tarifas específicas para países diferentes, será que Donald Trump odeia pinguins e focas? Por que cargas d’água o homem foi atacar os pobres pinguins e focas das ilhas australianas Heard e McDonald com tarifas de 29% para importações? Alguns veículos de comunicação e jornalismo trataram o assunto de maneira leviana, atentando para o fato de que as ilhas não possuem seres humanos vivendo nelas, assim como algumas outras ilhas também pertencentes à Austrália. O motivo para essa tarifa tão exótica é simples: apesar de não haver vida humana em variadas ilhas pertencentes à Austrália, várias importações destinadas aos EUA são oriundas de ilhas que não possuem vida humana e apenas fauna local. Como podem os pinguins estar abrindo empresas e exportando para outros países? Estamos nós subestimando os animais na sua capacidade empreendedora? Ou será que algum empresário de um país altamente tarifado está fraudando o código de origem dessas transações comerciais? Deixo esta pergunta fascinante para ser respondida pelos nossos leitores. Outro ponto ainda mais interessante: visto que ninguém habita nessas ilhas, é impossível provar que de fato a mercadoria veio delas, mas alguém pode provar que não veio também? Haverá um escritório regional para cada ilha comprovar quais transações de fato são provenientes? Talvez seja só mais fácil botar uma tarifa bem alta nessas ilhas inabitadas e não contar com a cooperação de habitantes inexistentes.

O principal questionamento que vejo sendo proposto sobre a tarifa em si: estaria o governo americano diminuindo a qualidade de vida do cidadão americano, impedindo sua capacidade de consumir apenas para arrecadar? Acredito que a resposta seja sim, mas não somente para arrecadar. Lembra daqueles 36 trilhões de dólares em dívida que mencionei no início do texto? Por volta de 9 trilhões de dólares estão projetados para vencer este ano e haverão de ser refinanciados. A principal importância das tarifas não é apenas arrecadar, mas o entendimento de que, se forem agressivas e restritivas o suficiente, vão frear a inflação do país. Atualmente, como os gastos exacerbados após a pandemia mantiveram os Estados Unidos com uma inflação persistente nos preços dos produtos, o Fed, o banco central americano, tem mantido a taxa de juros mais alta que o normal e isso acelera o gasto do país com juros da dívida. Dado que quase um terço da dívida tem vencimento para os próximos 12 meses, é essencial para controlar a dívida que o Fed tenha condições favoráveis de inflação baixa no país. Com consumo mais fraco no país como um todo, os preços podem começar a cair, diminuir a inflação e permitir ao Fed que baixe a taxa de juros e o novo custo da dívida dos Estados Unidos, que será repactuado nos próximos 12 meses.

Algumas questões adicionais ficam em aberto: se o objetivo das tarifas é reduzir o endividamento público, por que Trump fica falando que vai trazer empregos de volta?
Sinceramente, acredito que isso seja possível, mas não tão provável assim. Não é do dia para a noite que se muda a decisão de produzir em um país ou outro e a inconsistência de se ver um presidente mudando as propostas de tarifas como quem muda de camiseta é desconcertante. A sensação é de uma instabilidade muito grande no que de fato vai ser executado, e isso dificilmente gera a confiança necessária para os empresários tomarem decisões mais favoráveis para produzir nos EUA. A própria reinserção de várias empresas nos Estados Unidos que antes estavam produzindo fora do país pode gerar um processo inflacionário, visto que salários e condições de produção nos EUA podem ser muito mais caros do que em alguns países asiáticos, mesmo com as tarifas em voga.

A escassez de produtos que não vão ser mais distribuídos nos EUA também.
E aí, deixando mais claro ainda, se você fosse presidente, você teria coragem de dizer para o seu eleitor: “Fulaninho, infelizmente você não vai mais poder comprar tão baratinho as suas blusinhas na Shein, pois o governo está muito endividado e precisa de mais dinheiro. Tudo bem se eu botar uma tarifa de 100% em cima do produto?” Fulaninho pode ficar bem chateado com seu candidato e desistir de votar no mesmo. Infelizmente, é um remédio amargo que os atuais economistas da Casa Branca estão oferecendo para a população americana e talvez do mundo inteiro. Resta saber se será eficiente para reduzir a inflação dos Estados Unidos, se vai reduzir o custo da dívida e se vai acabar também com as nossas dores de cabeça como cidadãos em relação a este assunto.

João Grassini

João Grassini

Administrador de Empresas (UFRGS),
Assessor de investimentos na Marco Investimentos, Coordenação de investimentos em Renda Fixa e Fundos

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