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Você já ouviu falar de perseguição religiosa?

15 de maio de 2025

Nestes tempos, muito se tem falado no Brasil sobre supressão de liberdades e perseguição política, seja por conservadores e opositores do atual governo, que têm sido processados por suas opiniões em uma verdadeira lawfare, seja por admiradores do filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, que expõe uma visão de mundo sobre o período do regime militar. No entanto, o tema da perseguição religiosa parece não receber ainda a mesma atenção jornalística, artística ou nas mídias sociais.

A liberdade de religião e crença, também chamada de “primeira das liberdades”, é um termômetro para todas as demais liberdades e direitos humanos. Nos países onde não há liberdade religiosa, não há democracia. Isso ocorre por uma razão lógica: a fé representa o que é mais valioso para uma pessoa em termos de consciência, visão de mundo, modo de viver, pensamentos e anseios mais profundos — tudo o que é mais importante para ela nesta vida e sua esperança para a existência após a morte. Portanto, esse é um tema que deveria interessar a todos, independentemente da religião — inclusive ateus (pois a pessoa deve ter o direito de professar não ter religião alguma). Se o Estado e a sociedade não respeitam a religião (ou a ausência dela) de seus cidadãos, certamente não protegerão outras liberdades, como as de expressão, de reunião, de manifestação, acadêmica, artística, entre outras.

No Brasil, a luta pela manutenção das liberdades deve ser travada sempre que estas forem ameaçadas, a fim de evitar que o país chegue ao ponto de vivenciar perseguição por motivos de crença. Afinal, a luta pelas liberdades é renovada a cada geração, e estamos, de fato, passando no Ocidente por um período de ataques a algumas delas. Mas e nos lugares onde não há liberdade, onde pessoas são perseguidas por causa de sua religião e não veem perspectiva de mudança a curto prazo?

Países com governos autoritários e totalitários geralmente restringem a liberdade de religião ou crença. Isso acontece tanto em nações com Estados ateus, como a Coreia do Norte, onde qualquer religião é totalmente proibida, e a China, onde as religiões são vigiadas e devem seguir severas regras estatais, quanto em Estados teocráticos, onde uma religião é permitida ou apoiada pelo poder público, enquanto as demais são limitadas ou proibidas.

A World Watch List é um estudo anual que divulga o ranking de perseguição, pontuando, por determinados critérios, os países onde os cristãos são mais perseguidos no mundo. A Coreia do Norte é o país mais fechado, onde uma pessoa pode ser presa simplesmente por ser encontrada com uma Bíblia. Um dado triste é o caso da Nigéria, país que ocupa o sétimo lugar nesse ranking, apesar de oficialmente haver liberdade de religião. Embora os cristãos não sejam minoria, representando quase metade da população, eles correspondem a 69% dos homicídios relacionados à religião cristã no mundo em 2024, totalizando 3.100 cristãos mortos, de um total de 4.476 seguidores de Jesus executados por sua fé ao redor do globo.

Vale citar também o caso da Argélia, 19º lugar no ranking de perseguição. O Islã é a religião oficial do Estado (98% da população) e, embora a Constituição garanta a liberdade de “exercer a adoração” de outras religiões, várias leis restringem a liberdade dos não muçulmanos. Em 2006, a Portaria nº 06-03 passou a regular o culto não muçulmano, exigindo o registro de locais de culto e proibindo o proselitismo (pregação e ensino com o objetivo de ganhar adeptos). A Lei das Associações nº 12-06, de 2012, regula o registro de associações religiosas com critérios restritivos para aprovação. A Lei de Finanças de 2023 detalha disposições fiscais gerais, incluindo deduções de determinados impostos, sem menção específica de isenção para entidades religiosas.

Na Argélia, desde a portaria de 2006, apesar de inúmeras solicitações, nenhuma licença foi emitida até o momento. Comitês de segurança inspecionaram muitos edifícios de igrejas desde novembro de 2017 para avaliar quais se qualificam para as permissões. Suas constatações resultaram no fechamento de mais de 20 igrejas desde o início de 2018 — sabe-se que apenas três receberam permissão para reabrir. Em novembro de 2024, a EPA (Église Protestante d’Algérie), grupo de igrejas protestantes oficialmente reconhecido na Argélia, teve todos os seus 47 edifícios fechados pelas autoridades, com exceção de um; 15 deles foram fisicamente lacrados, e dez outras igrejas não afiliadas também foram fechadas.

O pastor Youssef Ourahmane, vice-presidente da EPA, foi condenado a dois anos de prisão (reduzidos, em recurso, para um ano) por supostamente realizar uma reunião não autorizada em março de 2023, em um prédio sem permissão para ser usado como local de culto. Ele estava supervisionando famílias cristãs hospedadas em um complexo da igreja que inclui uma capela selada pelas autoridades. Após a rejeição do segundo recurso do pastor Youssef, em abril de 2024, uma apelação à Suprema Corte da Argélia foi preparada e, até o momento, não foi julgada.

É importante destacar que perseguição vai além da mera discriminação. Enquanto a discriminação envolve hostilidade social, como críticas, escárnios ou atos de intolerância, a perseguição ocorre quando atos hostis se concretizam por meio de agressão física ou psicológica, marginalização social (como dificultar o acesso a bons empregos), prisões injustas sem o devido processo legal, tortura ou até assassinato.

Como exposto no início deste texto, no Brasil somos privilegiados por termos ampla liberdade de religião e crença, e o debate foca apenas em sua manutenção. Mas, em muitos outros países, a realidade é terrivelmente diferente. Por isso, diversas organizações humanitárias atuam para trazer conforto e auxílio aos cristãos perseguidos ao redor do mundo. Se você tem interesse em saber mais, siga o Barnabas Aid nas redes sociais, que há mais de 30 anos oferece ajuda prática à Igreja que sofre. Neste link, você pode ler detalhes sobre como se envolver e ajudar, conhecendo mais sobre o projeto que liberta cristãos marginalizados em subempregos no Paquistão por causa de sua fé e escravizados por dívidas com donos de olarias.

Esses exemplos mostram uma dura realidade: o cristianismo é hoje a religião mais perseguida no mundo, com 380 milhões de cristãos sofrendo perseguição severa em diversos países. Contudo, esse não é um problema exclusivo dos cristãos. Pesquise sobre a perseguição aos muçulmanos uigures na região chinesa de Xinjiang, alvo de denúncias de vigilância estatal intensiva, trabalho forçado e campos de reeducação. Informe-se também sobre a violência contra os bahá’ís no Irã, classificada pela Human Rights Watch como crime contra a humanidade de perseguição.

Warton Hertz

Advogado, especialista em Direito Religioso e mestre em Teologia e Ética. É formado em Direito, Teologia e integra o Instituto Brasileiro e o Instituto Europeu de Direito e Religião.

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